Manutenção de uma Guitarra Portuguesa ou de uma Viola de Fado

Como tudo nesta vida os instrumentos musicais também necessitam da sua manutenção, vulgarmente conhecida pela expressão "SETUP". Se quer ter um instrumento musical em boas condições, a manutenção do mesmo é muito importante. Mudar as cordas, verificar se a escala empenou, se os Carrilhões ou o Leque (Guitarra Portuguesa) estão limpos e lubrificados, se a Pestana não tem sujidade ou ferrugem das cordas, se o Cavalete não está alto (o instrumento fica com um escala dura e é difícil pisar as corda), se os Trastes não estão gastos (deixa de ter um som limpo e na gíria Fadista diz-se que "a Guitarra está a bater a placa" e finalmente uma boa limpeza (polimento) no instrumento (Escala e no Corpo do instrumento).

O que lhe vou transmitir é a minha maneira de trabalhar, longe de ser a única. Se encontrar erros de escrita ou não concorda com o meu método diga da sua justiça. Todos é que sabemos tudo. Os velhos segredos não são para levar para a cova, mas sim para serem partilhados com quem sabe menos. Não sou um especialista nem tenho diploma da matéria, sou um simples curioso da arte.

Como todas as histórias começam... Era uma vez uma Guitarra Portuguesa que não afinava bem. Como é lógico o que se aplica à Guitarra Portuguesa ou Viola de Fado aplica-se a qualquer instrumento de corda. Está na altura de lhe fazermos uma boa manutenção.

Vou começar pelo Leque (Guitarra Portuguesa) ou pelos Carrilhões (Viola de Fado).

     

Se gosta do instrumento com que habitualmente toca deve investir num bom "Leque" (Guitarra, Bandolim ou Cavaquinho) ou em "Carrilhões.

Um músico deve ter uma boa disciplina musical. Afinar o instrumento (se não tem um bom ouvido musical comprar um "Afinador Electrónico"), exercitar o aquecimento dos dedos e treinar as suas músicas. É sempre bom um músico saber qualquer coisa de Teoria Musical. Arranje uma pasta e organize as suas músicas para as treinar. Quando não se toca uma música durante muito tempo perdemos o automatismo da mesma. Se tem vários instrumentos afine o instrumento que não toca um tom abaixo da afinação normal (não desaperte as cordas completamente, excepto se não vai tocar durante muito tempo), baixa a tensão das cordas em cerca de 20%, o instrumento não perde a tensão harmónica, o braço tem menos tendência a empenar e as cordas duram mais tempo. Escolha as cordas indicadas. Uma escala macia e cordas de boa sonoridade dão outro prazer na sua execução. Compre um termómetro / higrómetro para saber a temperatura e humidade do local onde tem o seu instrumento musical (temperatura entre os 20º e os 25º C e humidade de cerca de 55%). A temperatura e a humidade têm uma grande importância no timbre e na "saúde" de qualquer instrumento musical. As cordas não duram uma vida. De acordo com o número de horas com que o instrumento é tocado assim deve mudar de cordas. Mude as cordas, uma de cada vez, pela seguinte ordem: primeiro a corda mais grossa, depois a mais fina. Dando como exemplo uma Viola Dedilhada (conhecida por Guitarra Clássica) mude as cordas pela seguinte ordem: 6ª Mi Bordão depois a 1ª Mi, 5ª Lá depois a 2ª Si e finalmente a 4ª Ré e depois a 3ª Sol. Deste modo o instrumento não perde a sua tensão harmónica.

Esta é a minha maneira de mudar cordas. Se o seu professor não concorda respeite o método do seu professor. Ele é seu Mestre.

Só se deve tirar todas as cordas quando pretendemos fazer uma boa limpeza à escala. Deve limpar a escala com"palha-de-aço 0000" (muito fina) para retirar a gordura e limpar os trastes. Depois, com papel de rolo de cozinha retirar as impurezas que a palha-de-aço deixa ficar e polir bem a escala. Deve limpar também os rasgos da Pestana (peça em osso junto ao carrilhões que serve de guia às cordas) para que a corda afine bem sem ressaltos de afinação. Utilize uma folha de lixa 1000 molhada em água. Corte um quadrado com 10 cm e dobre em duas partes para que a lixa tenho estrutura para lixar. Deve lubrificar os rasgos com vaselina líquida. Com um palito colocar um pingo de vaselina e passar o palito ao longo do rasgo (eu disse um pingo e não encharcar a pestana com vaselina). A vaselina líquida (pode comprar numa farmácia) também serve para lubrificar o Leque ou os Carrilhões. Quando mudar as cordas é a altura ideal para a lubrificação. Colocar a vaselina e rodar várias vezes o mecanismo para que ela (a vaselina) se espalhe uniformemente.

   

Se sentir que uma corda está a "trastejar" num determinado sítio, pode acontecer que um traste esteja mais alto do que os restantes. Observe a figura e veja como lixar um traste sem riscar a escala. Pode utilizar uma Lima de Unhas fina para lixar o traste e depois passar a palha-de-aço fina. Não queira fazer o trabalho à pressa. Vá experimentando a corda que trasteja. Se os trastes já estão gastos, então tem de os substituir. Se não tem prática leve o instrumento a um profissional. Não é um trabalho fácil para ficar perfeito. Se quer aprender compre uma Viola barata e aprenda a fazer asneiras, nesse instrumento. Ninguém nasce ensinado.

Se se quer meter na alhada de aprender a mudar os trastes... vamos a isso. Retirar as cordas e começar a levantar os trastes gastos. O ideal é substituir todos. Ter em atenção que tipo de trastes tem o instrumento. Existem muitos tipos de trastes e feitos de vários materiais. Deve ter cuidado ao retirar o traste uma vez que se o instrumento for antigo podem vir agarrados ao traste pedaços de madeira da escala. Pode retirá-los com o auxílio de uma Turquês de pontas direitas ou um Formão largo. Com o Formão comece por levantar as extremidades de um lado e do outro do traste. Não tenha pressa. Se começarem a sair lascas de madeira, depois de retirar os trastes coloque cola branca de madeira nos orifícios dos trastes e com uma lixa 200 passe pela escala. O pó da madeira vai entrar dentro dos rasgos dos traste e quando a cola secar vai ter de os abrir novamente com um serrote de costa que seja da espessura dos rasgos. Pode comprar trastes em barra ou já cortados. No entanto tem de arquear os trastes para os colocar. Deve batê-los com um martelo de bola de plástico. O martelo de ferro marca os trastes. Bata dum lado e depois do outro. A técnica de bater é de fora para dentro, de um lado e do outro. Verifique se o traste assentou bem na escala. Corte o excedente do traste com um corta arame de boa qualidade junto à escala. Pode também fazer uma Prensa de Trastes como mostra a figura. Verificar se a escala não está empenada. Com uma régua de alumínio assentar sobre a escala. Ela deve assentar bem ao longo da mesma. Caso contrário terá de a desempenar. Aí o caso "pia mais fino". Fica para outra conversa. Depois de todos os trastes estarem colocados e bem assentes coloque sobre a escala fita-cola de papel e com um X-acto retire a fita que cobre o traste. Com uma Lima Murça (que pode estar fixa a um pedaço de madeira, dá mais jeito para trabalhar) nivele toda a escala. Depois, com uma lixa 400 volte a polir os mesmos. Este mesmo trabalho deve ser feito também nas extremidades do traste para ficarem boleados e a escala macia. Retirar a fita-cola e polir a escala com palha-de-aço fina 0000. Polir com papel de cozinha para dar o acabamento final.

          

Se o seu instrumento musical tiver uma racha na Ilharga deve colá-la e reforçá-la por dentro. Com o auxílio de uma corda de aço (2 metros de comprimento tendo no meio uma porca enrolada que serve de batente),  faça um quadrado de madeira com as arestas em bisel e um furo no meio para passar a corda de aço. Coloque uma anilha antes da madeira (entre a porca e a madeira). A corda entra pela boca do instrumento e sai pela racha da ilharga. Coloque cola branca no pedaço de madeira que vai ficar colado no interior do instrumento. Ao puxar a corda de aço, o taco de madeira deve ficar a meio da racha. Serve para que as ilhargas fiquem niveladas e reforçadas por dentro. Coloque cola branca no interior da racha, aperte a ilharga com grampos como mostra a figura e estique bem a corda de aço para que o batente interior fique sobre pressão. Deixe secar durante 10 horas. Depois de colada retire a corda de aço pela boca.

 

  

Outros azares da vida dos Cordofones

Quando batemos no tempo ou costas dum Cordofone o som parece de uma cana rachada. Isto quer dizer que uma travessa se descolou. Outro bico-de-obra. O Cavalete está a descolar-se! Outros assuntos ficarão para outra conversa.

   

Aprenda a conhecer as madeiras do seu instrumento.

 

Esta bonita árvore é de onde se tira o Jacarandá.

 

                                      

Se gosta destas alhadas mais algumas dicas que deve ter. Um Tubo de dobrar ilhargas a quente e a arte de envernizar "à Boneca". Hoje em dia compramos instrumentos pintados à pistola de ar, com verniz de automóvel. São bonitos... mas não têm a mesma sonoridade.

Como sempre a intenção é partilhar conhecimento. Não tenho categoria nem sabedoria para passar diplomas. Mas se aprendeu qualquer coisa diga da sua justiça.

Pode repontar (a bem ou a mal) para jose-lucio@netcabo.pt