Construção de uma Guitarra Portuguesa
A história da construção de instrumentos musicais começa com a nossa nacionalidade.
Já no século XI, os Beneditinos construíam instrumentos musicais nos seus Mosteiros. Os Jograis tinham como função acompanhar os Trovadores e reparar os respectivos instrumentos.
A indústria de construção só começa com os Menestréis, que deram origem à classe de músicos profissionais.
Os documentos mais antigos, que dão conta desta indústria em Portugal, datam do século XV. Como curiosidade, no século XVII existiam “10 Violeiros” em Portugal e no século XVIII aparecem os primeiros “Guitarreiros”.
Tendo como testemunhos vivos diálogos que tive com antigos construtores, a diferença entre Guitarreiro e Violeiro era a seguinte:
O Guitarreiro construía Violas e Guitarras enquanto que o Violeiro só construía Violas (do tipo Violas de Arame, Braguesa ou Campaniça e Violas de 6 cordas singelas também conhecidas por Vilão ou Viola dedilhada).
Para que não existam dúvidas, a palavra Guitarra, em Portugal, refere-se sempre à Guitarra Portuguesa, embora não exista um consenso generalizado em relação a esta terminologia. Na minha opinião, o instrumento vulgarmente conhecido por Guitarra Clássica (Viola) deveria ser chamada de “Viola Dedilhada”. Muitas vezes em documentos antigos, encontramos a expressão Violão referindo-se à Viola Dedilhada. Normalmente, quem utiliza esta expressão, pretende distinguir este instrumento das Violas de Arame por ter uma caixa acústica maior.
Cada construtor tem os seus segredos e técnicas bem definidas de construir um instrumento musical. Não é minha intenção ensinar a construir uma Guitarra, mas sim que o leitor fique com uma ideia de algumas das fases mais importantes da construção.
A primeira preocupação do construtor vai para a escolha das madeiras. Madeiras bem secas e antigas dão-lhe uma maior garantia no resultado final. Nesta escolha, o timbre, a qualidade e o preço estão em jogo. No entanto, no dizer de um antigo guitarreiro:
“Quando o artista é bom até de madeira de caixotes se fazem Guitarras”.
Podemos aqui dividir a escolha das madeiras em duas partes: as madeiras nobres (pau-santo, ébano, spruce, ácer, etc.) ou a utilização das madeiras inerentes à flora nacional (nogueira, cerejeira, tília, etc.).
No entanto, já vi muito boas Guitarras em nogueira e péssimas em pau-santo. A densidade de uma madeira faz com que ela tenha uma função bem definida na construção de um instrumento.
As madeiras densas são utilizadas para as costas e ilhargas, como o pau-santo, as brandas do tipo spruce e casquinha são utilizadas para os tampos. A função de um tampo é vibrar. A função das costas e ilhargas é reflectir o som. Uma escala deve ser feita de uma madeira densa, como o ébano, para que não empene com facilidade. Uma escala empenada faz com que as cordas se afastem dela dificultando a execução do instrumento. Quando se corta uma árvore para que as suas madeiras sejam utilizadas na construção de um instrumento, o madeireiro deve ter em conta o chamado “ciclo de Sol”, isto é, a parte da árvore que durante séculos viu o Sol nascer e se pôr.Estas são as partes de uma Guitarra Portuguesa
O tampo e as costas duma Guitarra Portuguesa
são formados por duas réguas de madeira simétricas.
Imagine uma régua de madeira com 10 mm de espessura que é cortada ao meio e aberta. É por este facto de que quando se compra as madeiras para o tampo elas vêm aos pares, para que os veios da madeira sejam simétricos.
O mesmo se passa com as costas
As ilhargas (partes laterais do instrumento) são dobradas a fogo e adaptadas a um molde que vai servir de suporte à construção da caixa acústica. O construtor apoia a ilharga num cilindro de metal ou ferro curvo que é aquecido por uma resistência eléctrica ou tradicionalmente, com o aproveitamento de restos de madeira que são queimados no seu interior. A madeira deve ser molhada para ganhar elasticidade e não partir.
O formato de uma Guitarra Portuguesa depende do molde,
uma vez que a dobra da ilharga tem de ser adaptada ao Molde ou Forma.
Para que possa ter a dimensão do instrumento escolhi uma Guitarra do Construtor
Domingos Cerqueira.
No entanto pode escolher a Forma com as medidas de qualquer Guitarra.
Para que a caixa de ressonância tenha uma estrutura forte ela necessita de ser reforçada com as Cintas, Travessa e Tacos.
Depois das duas ilhargas dobradas, elas são apertadas ao molde para adquirir a forma final do instrumento e reforçadas com dois tacos que as unem, um para o encaixe do braço e o outro, mais pequeno, para o reforço do remate final. Nesta fase são colocadas as cintas que acompanham a ilharga em toda a sua extensão e as travessas (réguas laterais de madeira pouco densa que vão dar resistência ao fundo e ao tampo).
A colocação das travessa é muito importante.
Travessas mal colocadas são sinónimo de uma Guitarra com mau som.
A fase seguinte varia de construtor para construtor. Há quem coloque primeiro o Fundo ou Costas e outros o Tampo. O Tampo, antes de ser colocado, é previamente aplainado ficando com uma espessura compreendida entre 2 e 3mm. Nele se abre a Abertura Musical ou Boca à volta da qual se colocam os enfeites. A posição da boca é determinante para a boa sonoridade do instrumento.
A colocação do braço varia de construtor para construtor: ele pode utilizar a técnica do malhete (consiste na abertura de um rasgo triangular no taco, idêntico à saliência triangular feita no final do braço). Deste modo o braço encaixa no taco.
Uma outra técnica é a de colar o taco ao braço e as ilhargas encaixam em dois rasgos nele feitos.
Na parte superior do Braço (a Voluta) é aberto o rasgo para sere colocado o Leque.
O Leque é o mecanismo destinado a afinar as cordas da Guitarra Portuguesa. Tudo leva a crer ter sido uma invenção de um senhor inglês chamado Sympson.
A escala
A Escala é colada ao braço. De madeira densa, ela é dividida a partir de uma regra matemática baseada na fórmula raiz de 12 de 2. Normalmente o construtor utiliza uma bitola, para marcar os rasgos onde vão encaixar umas barrinhas de metal, conhecidas por trastes ou pontos.
Cálculo de uma Escala de 440 mm para Guitarra de Lisboa
coef. 1,0594631 | ||||
TIRO DA CORDA | 440 | milímetros | ||
PONTOS | LARGURA | SOBRA | ACUMULAD | |
1 | 24,6953 | 415,3047 | 24,6953 | |
2 | 23,3093 | 391,9954 | 48,0046 | |
3 | 22,0010 | 369,9944 | 70,0056 | |
4 | 20,7662 | 349,2282 | 90,7718 | |
5 | 19,6007 | 329,6275 | 110,3725 | |
6 | 18,5006 | 311,1270 | 128,8730 | |
7 | 17,4622 | 293,6648 | 146,3352 | |
8 | 16,4821 | 277,1826 | 162,8174 | |
9 | 15,5571 | 261,6256 | 178,3744 | |
10 | 14,6839 | 246,9416 | 193,0584 | |
11 | 13,8598 | 233,0819 | 206,9181 | |
12 | 13,0819 | 220,0000 | 220,0000 | |
13 | 12,3477 | 207,6523 | 232,3477 | |
14 | 11,6546 | 195,9977 | 244,0023 | |
15 | 11,0005 | 184,9972 | 255,0028 | |
16 | 10,3831 | 174,6141 | 265,3859 | |
17 | 9,8003 | 164,8138 | 275,1862 | |
18 | 9,2503 | 155,5635 | 284,4365 | |
19 | 8,7311 | 146,8324 | 293,1676 | |
20 | 8,2411 | 138,5913 | 301,4087 | |
21 | 7,7785 | 130,8128 | 309,1872 | |
22 | 7,3420 | 123,4708 | 316,5292 |
Muitos são os acabamentos finais que podem ter os instrumentos que passam por cintas de plástico ou madeira que unem o Tampo e o Fundo às Ilhargas, bem com embutidos de madeira, tartaruga ou madrepérola que tem como única finalidade embelezar o instrumento.
Antigamente o construtor utilizava o GRUDE para colar os instrumentos, modernamente utilizam-se as colas sintéticas. Depois de bem raspado e lixado, o construtor passa para a fase final.
O envernizamento
À moda antiga o construtor ensebava a madeira e utilizava a boneca de Goma-laca para lhe dar brilho.
Modernamente, o tapa poros substituiu o sebo e o verniz celuloso a Goma-laca.
Quando o construtor coloca as cordas no instrumento, apesar de todas as normas terem sido cumpridas, a boa ou má sonoridade é sempre uma incógnita.
Como é lógico tudo ficou por dizer. Se quer aprender a construir uma Guitarra Portuguesa nada melhor do que aprender com um Mestre da Arte. Mas a minha intenção foi apenas de lhe mostrar algumas curiosidades.
Se encontrar erros de qualquer tipo diga da sua justiça para eu os corrigir. Todos é que sabemos tudo.
José Lúcio Ribeiro de Almeida