Reparar um Instrumento Musical (Cordofone) |
Introdução
Vivemos num mundo, onde a grande maioria dos instrumentos musicais são mera "mercadoria musical". Foram concebidos para durarem um certo tempo e depois "lixo". Quando se é rico o problema não é grave, até temos dinheiro para comprar um bom instrumento musical. Mas mesmo um bom instrumento também precisa de ser reparado e precisa de uma certa manutenção. Muitas vezes temos um instrumento de família, que deitamos fora, porque pensamos que não tem reparação. Outras vezes a reparação é tão cara, que o nosso orçamento (em tempos de crise) não permite pagar a reparação. Mais uma vez uma pequena ajuda, não porque seja mestre, mas pelo gosto de partilhar o pouco que sei , com quem sabe menos. Um instrumento, como tudo na vida, tem a sua história e é importante preservá-lo para que se mantenha vivo e possa ser tocado com uma certa dignidade. Um instrumento musical não é um quadro. Foi construído para ser tocado e não para ser pendurado numa parede. Os grandes museus têm instrumentistas que periodicamente tocam nos instrumentos expostos para que eles não percam as suas características sonoras. Como sempre se não concorda com o que está escrito ou encontrar erros de escrita e quiser ter a amabilidade de os corrigir eu agradeço.
A Reparação
Reparar um instrumento ou simplesmente colocar "Trastes", desempenar a escala, reparar uma fenda, envernizar, etc. são trabalhos de paciência. Nada de presas para que o trabalho fique perfeito. Mesmo que não queira seguir esta arte, num mundo agitado em que vivemos é um bom remédio para o "STRESS". Arranje o seu cantinho para trabalhar e mãos à obra. Tem de ter um conjunto de ferramentas e saber trabalhar com elas. Cuidado que as ferramentas ... são perigosas! Se não tem prática da arte comece por comprar um "Kit" de montagem de um instrumento. Existem à venda na internet vários kits de montagem de Violas, Violinos, Bandolins, Ukuleles, etc.
Vou dar um exemplo de como reparar uma Guitarra Portuguesa antiga. Um Guitarra com mais de 50 anos, normalmente foi colada a "Grude". Um instrumento deste tipo não pode ser reparado com a cola branca. Tem de desmanchar o instrumento, limpar bem o grude e voltá-lo a montar.
Agora são necessárias mais de 100 horas de trabalho e alguma paciência para que o instrumento volte a ter dignidade e fique assim.
Fase 1 - Colar as Ilhargas e repara o Tampo e as Costas ou Fundo.
Não esquecer de colar o Rótulo original, para se saber o nome do construtor. Coloque também a data da reparação e o seu nome para que ele fique ligado à história do instrumento.
Fase 2 - Colar o "Braço". É a fase mais complicada. O braço tem de ficar bem nivelado, para que ao colar a escala ela fique na posição correcta (bem desempenada). Um braço mal colocado é a maior asneira que se pode fazer. As cordas não ficam na posição correcta (ficam para a esquerda ou direita e podem ficar muito levantadas ou muito baixas).
É um trabalho que requer paciência e "olho clínico.
Porque a Voluta estava partida tive que fazer uma em madeira de "bucho". Esta madeira é rija e trabalha-se bem. Porque a Guitarra é da "Escola do Porto", fiz uma Voluta em flor, apesar de ter sido construída em Lisboa. Para que não se parta com facilidade, foi reforçada com um espigão em madeira, que liga a Voluta ao resto do braço.
Fase 3 - Colar o Tampo. Por vezes os tampos dilataram e é preciso forçar a colagem ao corpo da Guitarra. Além dos grampos pode utilizar corda de algodão para que o ajuste fique perfeito.
Se o tampo estiver falta de madeira ou faltarem embutidos, eles só devem ser colocados quando ele estiver colado. O tampo tem a madeira mais frágil do instrumento. É mais fácil reparar estes defeitos com o tampo colado.
Fase 4 - Preparar a escala para ser colada. Normalmente os "Trastes" estão gastos ou podres e precisam de Trastes novos. Depois de retirar os velhos, tapar os rasgos com uma mistura de cola branca e madeira (ideal pó de Pau-santo ou pó de carvão) e voltas a abrir os rasgos com um serrote de cabo de acordo com a medida dos novos Trastes.
Fase 5 - Vamos colar a escala. A Fase mais difícil da construção. Uma Escala que não esteja bem desempanada vai fazer com que o instrumento não fique com as cordas na posição correcta. Teste a posição da Escala antes da colar e apertar os grampos. Com o auxílio de uma régua de alumínio verifique se a escala esta direita em relação ao corpo. Depois com a mesma régua, coloque a mesma sobre a escala par verificar a altura do cavalete.
O tempo de colagem das diversas partes do instrumento, depende do tipo de cola que vai utilizar. Há cola que secam mais depressa mas nunca deve ser inferior a 10 horas.
Depois vamos preparar o instrumento para ser envernizado. Deve lixar bem o instrumento, primeiro com uma lixa mais grossa e depois com lixa fina do tipo 400. Lixe bem todo o instrumento para não misturar o polimento antigo com o verniz ou goma laca que vai utilizar, para o acabamento final. Um polimento a "Goma Laca" deve ser dado com uma boneca de trapo que não deite pelo. O ideal é utilizar uma "T-Shirt" velha e de cor branca. Quando colocar goma laca na boneca coloque um pingo de parafina liquida para a boneca deslizar bem e não agarrar à madeira. Faça movimentos circulares para que o polimento seja gradual sem nunca parar. Se para e deixa a boneca junto à madeira o polimento fica irregular. Quando sentir que a boneca está seca pare e deixe secar o instrumento pelo menos um hora. Guarde a boneca numa caixa hermética para não secar e estar pronta para o novo polimento. Depois de 2 ou 3 polimentos convém deixar secar um dia para a goma laca secar bem. O número de vezes depende do brilho que vai conseguindo ter. Depois do último polimento o instrumento deve secar 48 horas. Por vezes parece que já está seco mas não está. Não faça o polimento em dias de muita humidade. Não seque o instrumento ao Sol.
Fase 6 - Agora tem de fazer um cavalete e uma pestana em osso. A afinação final dos rasgos da pestana e da altura do cavalete, só deve ser feita quando colocar as cordas.
Não se esqueça que o cavalete tem um posição correcta de ser colocado. Caso contrário a Guitarra não afina. A distancia da pestana ao 12º traste é igual à do 12º traste ao cavalete. Deve posicionar bem o cavalete antes de afinar o instrumento. Se tiver um afinador electrónico pode calcular mais correctamente esta posição.
Como é lógico, dizer é uma coisa fazer é outra. Mas nesta vida só se aprende a fazer. Se consegui dar uma ajuda para que os instrumentos antigos não acabem no lixo, fico satisfeito. Não tenha medo de não conseguir. Faça o trabalho com calma e se precisar de ajuda, dentro do pouco que sei, disponha.
Um abraço e bom trabalho.