O Gato de Botas

(Adaptado do conto de Charles Perrault)

 

Um moleiro, que tinha três filhos, repartindo à hora da morte os seus únicos bens, deu ao primogénito o moinho; ao segundo, o seu burro; e ao mais moço apenas um gato. Este último ficou muito triste com a parte que lhe coube da herança, mas o gato disse-lhe:

— Meu querido amo, compra-me um par de botas e um saco e, em breve, provar-te-ei que sou de mais utilidade que um moinho ou um asno.

          Assim, o rapaz converteu todo o dinheiro que possuía num lindo par de botas e num saco para o seu gatinho. Este calçou as botas e, pondo o saco às costas, encaminhou-se para um sítio onde havia uma coelheira. Quando ali chegou, abriu o saco, meteu-lhe uma porção de farelo miúdo e deitou-se no chão fingindo-se morto.

          Excitado pelo cheiro do farelo, o coelho saiu de seu esconderijo e dirigiu-se para o saco. O gato apanhou-o logo e levou-o ao rei, dizendo-lhe:

          — Senhor, o nobre marquês de Carabás mandou que lhe entregasse este coelho. Guisado com cebolinhas será um prato delicioso.

          — Coelho?! — Exclamou o rei. — Que bom! Gosto muito de coelho, mas o meu cozinheiro não consegue nunca apanhar nenhum. Diz ao teu amo que eu lhe mando os meus mais sinceros agradecimentos.

          No dia seguinte, o gatinho apanhou duas perdizes e levou-as ao rei como presente do marquês de Carabás. O rei ficou tão contente que mandou logo preparar a sua carruagem e, acompanhado pela princesa, sua filha, dirigiu-se para a casa do nobre súbdito que lhe tinha enviado tão preciosas lembranças.

          O gato foi logo ter com o amo:

          — Vem já comigo, que te vou indicar um lugar, no rio, onde poderás tomar um bom banho.

          O gato conduziu-o a um ponto por onde devia passar a carruagem real, disse-lhe que se despisse, que escondesse a roupa debaixo de uma pedra e se lançasse à água. Acabava o moço de desaparecer no rio quando chegaram o rei e a princesa.

          — Socorro! Socorro! — Gritou o bichano.

          — Que aconteceu? — Perguntou o rei.

          — Os ladrões roubaram a roupa do nobre marquês de Carabás! — Disse o gato. — O meu amo está dentro da água e sentirá cãibras.

          O rei mandou imediatamente uns servos ao palácio; voltaram daí a pouco com um magnífico vestuário feito para o próprio rei, quando jovem.

          O dono do gato vestiu-o e ficou tão bonito que a princesa, assim que o viu, dele se enamorou. O rei também ficou encantado e murmurou:

          — Eu era exactamente assim, nos meus tempos de moço.

          O gato estava radiante com o êxito do seu plano; e, correndo à frente da carruagem, chegou a uns campos e disse aos lavradores:

          — O rei está chegando; se não lhes disserem que todos estes campos pertencem ao marquês de Carabás, faço-os triturar como carne para almôndegas.

          De forma que, quando o rei perguntou de quem eram aquelas searas, os lavradores responderam-lhe:

          — Do muito nobre marquês de Carabás.

          — Com a breca! — Disse o rei ao filho mais novo do moleiro. — Que lindas propriedades tens tu!

          O moço sorriu perturbado, e o rei murmurou ao ouvido da filha:

          — Eu também era assim, nos meus tempos de moço.

          Mais adiante, o gato encontrou uns camponeses ceifando trigo e lhes fez a mesma ameaça:

          — Se não disserem que todo este trigo pertence ao marquês de Carabás, faço picadinho de vocês.

          Assim, quando chegou a carruagem real e o rei perguntou de quem era todo aquele trigo, responderam:

          — Do mui nobre marquês de Carabás.

          O rei ficou muito entusiasmado e disse ao moço:

          — Ó marquês! Tens muitas propriedades!

          O gato continuava a correr à frente da carruagem; atravessando um espesso bosque, chegou à porta de um magnífico palácio, no qual vivia um ogre que era o verdadeiro dono dos campos semeados. O gatinho bateu à porta e disse ao ogre que a abriu:

          — Meu querido ogre, tenho ouvido por aí umas histórias a teu respeito. Diz-me lá: é certo que te podes transformar no que quiseres?

          — Certíssimo — respondeu o ogre, e transformou-se num leão.

          — Isso não vale nada — disse o gatinho. - Qualquer um pode inchar e aparecer maior do que realmente é. Toda a arte está em se tornar menor. Poderias, por exemplo, transformar-te em rato?

          — É fácil — respondeu o ogre, e transformou-se num rato.

          O gatinho deitou-lhe logo as unhas, comeu-o e desceu logo a abrir a porta, pois naquele momento chegava a carruagem real. E disse:

          — Bem-vindo seja, senhor, ao palácio do marquês de Carabás.

          — Olá! — Disse o rei — que formoso palácio tens tu! Peço-te a fineza de ajudar a princesa a descer da carruagem.

          O rapaz, timidamente, ofereceu o braço à princesa e o rei murmurou-lhe ao ouvido:

          — Eu também era assim tímido, nos meus tempos de moço.