Prefácio do FADO

Deixem-me que me apresente.... eu sou o FADO. Por favor não me confundam com o meu homónimo "fado" que tem a sua origem no vocábulo latino "fatum", que quer dizer destino, aquilo que tem de acontecer. Não, eu sou o FADO, expressão musical umas vezes cantado, outras maltratado e no sentir, dos mestres, lagrimado nas cordas de uma Guitarra Portuguesa. Mas já que a nossa cultura parece ser parente próximo do meu homónimo, por favor dêem-me o privilégio de me defender. Não me façam velho, porque não o sou e não me troquem a nacionalidade, porque tenho muito orgulho em ser português. Se querem saber o nome dos meus pais não leiam certidões de nascimento erradas. Sejam cuidadosos na procura. Se por vezes sou melancólico, não nasci no Norte de África, caso contrário teria casa no Algarve (último reduto da cultura Muçulmana). Há quem confunda o meu gingar com o balancear das Caravelas. Pouco provável. Sabem é que eu enjoo, senão teria aproveitado os cruzeiros do Infante D. Henrique e seria personagem célebre dos nossos Descobrimentos. Que eu saiba, Luís de Camões não era fadista. Já agora e aproveitando o tempo de antena que me estão a conceder fazia uma pequeno reparo às pessoas que elaboram os dicionários e as enciclopédias. Não leiam só o livro do Tinop. Procurem outras opiniões. Certamente passariam a conhecer-me melhor. Alberto Pimentel chamou-me de "Triste Canção do Sul". Se por um lado fiquei triste (não se esquecam que eu já entrei em revistas!). por outro lado fiquei a saber que um senhor chamado Lacerda, na quarta edição de um dicionário que elaborou, deu-me a conhecer em 1874. Se não faço parte de dicionários anteriores, ou fui bébé durante muitos anos, ou então tenho razão: não sou muito velho. Querem que eu seja a canção nacional mas os meus amigos não vão na conversa. Não represento os Viras minhotos nem as Arruadas alentejanas, não sei fazer o sapateado do Fandango nem as voltinhas do Corrido algarvio. Os mais letrados querem que eu seja doutor mas, se é certo que Augusto Hilário me levou para Coimbra, os estudantes criaram uma Guitarra e uma maneira própria de cantar. Eu sou o Fado de Lisboa, embora tenha um primo que estudou em Coimbra, que se veste de capa e batina, que se chama Balada. Ainda não havia telenovelas, já queriam que eu fosse brasileiro. Confundir danças de umbigada, destinadas a distrair os marinheiros, com FADO, só porque no Brasil existia essa dança, é o mesmo que pedir ao seu mecânico para colocar no seu automóvel, aquando da revisão, velas (de pano). Os mais saudosistas defensores do nevoeiro (desculpem o aparte, por acaso as raparigas do Boletim Meteorológico até são simpáticas) querem que eu também tenha participado nas desavenças de 4 de Agosto 1578, onde El Rei D. Sebastião se perdeu em Alcácer Quibir. Estas crónicas foram feitas em francês por um senhor chamado Caveiral. Alguém pouco cuidadoso traduziu para português, a palavra Guiterne (viola de arame) como Guitarra, não desfazendo... até tem uma bela sonoridade. A propósito de Guitarra Portuguesa. Sabem como a conheci? Encontrei-a na esquina de uma rua e "vivemos o amor com carácter de urgência", parafraseando Fernando Pessoa.

Como o Sol ainda vai alto e o burrinho anda bem se querem saber mais de mim arranjem um tempinho da vossa vida agitada e leiam o livro que o José Lúcio escreveu. Para os entendidos ele não vai contar novidades, para os estudiosos talvez encontrem pontos de discórdia, mas como da discussão nasce a luz, acendam-se as velas porque se vai cantar o Fado.

Mais não digo e aos costumes disse nada.

 

Do vosso amigo.

O Fado

 

 

 

FADO Preface

Let me introduce myself.... I am FADO. Please do not confuse me with my homonym "fado" whose origin is to be found in the Latin word "fatum", which means destiny, that which is predetermined. No, I am FADO, a form of musical expression sometimes sung, sometimes ill-treated and with no feeling, by the masters, crying on the strings of a Portuguese Guitar. But as our culture appears to be a close relation of my homonym, please allow me the privilege of defending myself. Don’t treat me as old for I am not and I will not change my nationality because I am proud to be Portuguese. If you wish to know my parents’ names do not read false birth certificates. Take care while searching. Although I am sometimes melancholic, I was not born in North Africa, if I were I would have a house in Algarve (last refuge of the Muslim culture). There are those who confuse my swagger with the swaying of the Caravels. Rather unlikely. I get seasick; otherwise I would have taken advantage of the cruises of Infante D. Henrique and become famous in our Discoveries. As far as I know, Luís de Camões was not a fado singer. While we are on the subject and there is still time, I should like to make a small remark to the people who make dictionaries and encyclopaedias. Do not only read the book by Tinop. Seek other opinions. You will certainly get to know me better. Alberto Pimentel called me "Triste Canção do Sul" (The Sad song of the South). If on the one hand I am sad (do not forget I have appeared in reviews!), on the other hand you should know that a gentleman called Lacerda, in the fourth edition of a dictionary he made, says I was heard of in 1874. If I am not in previous dictionaries, or was a baby for many years, or if I am right: I am not very old. They want me to be the national song but my friends do not agree with this. I do not represent the Vira dances from Minho, nor the Arruadas from Alentejo. I do not know how to do Fandango tap dancing nor the running version of Fado from Algarve. The more lettered wish me to have a doctorate but, Augusto Hilário really did take me to Coimbra, and the students created a Portuguese Guitar and a specific form of singing. I am Lisbon Fado, although I have a cousin who studied in Coimbra, who wears a cloak and cassock, and is called Ballad. There were no mobile phones then. They even want me to be Brazilian. To confuse umbilicus dances, destined to entertain sailors, with FADO, just because this dance exists in Brazil, is the same thing as asking the mechanic when checking your car to fit it with spark plugs made of cloth. The most nostalgic defenders of the state of confusion (excuse the remark on the side, in fact the girls at the Meteorological Bureau are quite nice) also want me to take part in the discussions about August 4th 1578, as to whether El Rei D. Sebastião was lost at Alcácer Quibir. These narratives were made in French by a gentleman called Caveiral. Some negligent person translated into Portuguese the word Guiterne (metal stringed guitar) as Guitar, with no offence... it has a fine fullness of sound. As for the Portuguese Guitar; do you know how I came to meet up with it? I found it on the corner of a street and "we lived love with a sense of urgency", to paraphrase Fernando Pessoa.
As the Sun is still high in the sky and the donkey is trotting well, if you wish to know more from me find some time in your busy life and read the book José Lúcio wrote. The connoisseurs will find nothing new, the students may perhaps find points of disagreement, but as light comes from discussion, light the candles because we are about to sing Fado.
I shall say no more and have said nothing about usage.

From your friend.
Fado

Traduzido por Pamela (obrigado)